Este é um livro que não tem como não fazer uma resenha polêmica. Eu pretendia publicar ela no período de eleições do ano passado, mas por motivos diversos acabei adiando e adiando e agora já estamos em 2019 e infelizmente uma resenha sobre esta obra continua relevante. A Revolução dos Bichos é uma sátira ao totalitarismo comunista da União Soviética em forma de fábula e, por isso, atrai a atenção de muitas pessoas anticomunistas que o utilizam como referência. Isso é bastante conveniente para mim, pois existe forma melhor do que contra-argumentar alguém utilizando-se dos próprios argumentos da pessoa?
Digo isto, pois eu sigo o pensamento de que o problema não é o comunismo, da mesma forma que não vejo nenhum viés de Direita como um problema por si só. Se uma nação sofreu nas mãos de um totalitarismo comunista, o problema está no totalitarismo. Mas antes de começar, eu gostaria de dizer que não sou formado em ciências políticas e não tenho propriedade alguma sobre o assunto, isto é apenas a minha opinião e que você é totalmente livre pra concordar ou não.

Em resumo, a história é sobre uma fazenda onde os animais que habitam nela estão ficando insatisfeitos com suas vidas e em como o fazendeiro os trata e retribui. Tudo começa com a morte de um porco que profetiza um sonho de uma revolução onde os animais poderão ter um vida melhor sem os humanos. Não demora muito para que os animais, liderados pelos porcos, expulsam o fazendeiro e declaram que a fazenda agora é a Granja dos Bichos, onde além de nenhum humano ser permitido, são criados alguns mandamentos que serão os pilares de um novo sistema que eles denominaram de Animalismo.
“Enfrentemos a realidade: nossa vida é miserável, trabalhosa e curta. Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário para continuar respirando e os que podem trabalhar são forçados a fazê-lo até a última parcela de suas forças.”
No início tudo flui bem. Os animais cooperam para se adaptarem a nova realidade e a fazenda começa a prosperar como nunca antes. Os animais se sentem mais felizes e motivados e tudo parece um sonho. Até que as coisas começam a desandar quando, aos poucos, os porcos, por se sentirem mais inteligentes e especiais por estarem na liderança, começam a manipular os outros animais e quebrar os mandamentos. Os animais, que representam a população vulnerável e ignorante começam a sentir os efeitos negativos e os problemas da atual situação, mas não perdem a confiança nos porcos, tamanha é a manipulação que os mesmos fazem. O fim do livro retrata nada menos do que o colapso inevitável dessa sociedade.
Existem inúmeras resenhas sobre este livro, a grande maioria associando os acontecimentos da narrativa com a realidade soviética durante a ditadura. O que eu quero acrescentar com esta resenha é uma simples análise de que independente do viés que os animais tomassem em sua revolução, aplicando os mesmos fatores de distorção, más intenções e manipulações, o resultado ainda seria o colapso desta sociedade, onde a própria população é a que mais sofre.

O primeiro fato a ser destacado é logo no início, onde temos uma população insatisfeita, em um momento de fragilidade, e alguns elementos aproveitando a situação para criar grandes mudanças: uma revolução. O livro mostra a insatisfação com o viés de Direita, mas vide o Brasil, por exemplo, a insatisfação é com a Esquerda, portanto isso funciona de ambos os lados. Porém, eu não vejo nada de errado até aqui, a oposição existe para manter o equilibro e a vontade do povo. O problema é quando isso toma como base a “vilanização” do contraponto, responsabilizando um único elemento como o causador de todos os problemas. No caso do Brasil, por exemplo, responsabilizando o PT por todo e qualquer problema, colocando o Lula como O Grande Vilão. Não exonero eles de suas culpas, porém isso não é a realidade, o colapso político no Brasil envolveu a política como um todo, muitos partidos envolvidos, corrupção por todos os lados. Isso destrói a democracia no sentido de, qualquer coisa que surgir como oposição não é mais respeitada e considerada, consequentemente perdemos parte da nossa liberdade.
O segundo elemento da narrativa é a construção de uma liderança forte para comandar a revolução. Neste caso, os animais foram comandados pelos porcos, em especial pelo grande líder Napoleão, um porco que passava absoluta confiança, sabia se comunicar bem com o povo, defendia o que os animais queriam, prometia uma vida melhor. Não preciso fazer uma analogia a realidade neste caso, não é? Na história ninguém questionava Napoleão, na verdade o defendiam com unhas e dentes, mas quando algo parecia errado e alguém começava a estranhar, eles eram facilmente ludibriados por pensamentos distorcidos e manipulações descaradas, mas que só quem vê de fora percebe. Pra mim este é o MAIOR ponto em relação com a atual situação do nosso país. Eu fico extremamente indignado em como todas as ações do atual governo foram e continuam sendo pensadas para manipular a população e em como elas funcionam de forma tão eficiente.
“Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais do que outros.”
Muitas vezes durante a história, existem soluções simples para problemas complexos, mas que não resolvem o problema em si, apenas mudam a perspectiva sobre ele gerando outros problemas (para mim isso engloba quase 100% das medidas tomadas pelo governo desde que começou 2019). Outro fator também é dar foco para coisas irrelevantes para ofuscar problemas reais (um minuto de silêncio pela população LGBT que tem sido o maior alvo disso nos últimos anos), ou até mesmo CRIAR problemas que nunca existiram (destaque especial aqui para teorias da conspiração). Ou seja, tudo o que tem neste livro você consegue fazer uma associação com situações atuais. E olha que engraçado, estamos indo justamente em direção oposta a um totalitarismo comunista, como pode isso então?
Eu não vou nem entrar no mérito das intenções do nosso governo, se é para um bem maior ou não, as experiências do passado mostram que os sinais que vemos hoje levam ao fracasso e quem mais vai sofrer são os menos favorecidos (e por mais que você se coloque no topo de um pedestal, se você é um assalariado, você está incluído nesse grupo menos favorecido; em graus diferentes da população carente, mas está, ta ok?). O que eu quero propor com tudo isso é que está na hora de começar a pensar fora da bolha, observar e analisar mais imparcialmente as ações dos nossos políticos e considerar as consequências não apenas para você, mas para a sociedade em geral. Você tem todo o direito de querer mudanças, de querer uma revolução, mas se isso não for feito com consciência e, PRINCIPALMENTE, sem fanatismo, não vai dar certo, vai ficar pior do que estava antes.
Avaliação
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A Revolução dos Bichos
George Orwell
ISBN: 978-85-359-0955-5
2007 – Companhia das Letras
157 páginas (Pt/Br)
Sinopse: Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, ‘A Revolução dos Bichos’ é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos. Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista.
De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stalin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos – expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História – mimetizam os que estavam em curso na União Soviética. Com o acirramento da Guerra Fria, a obra passou a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell repetiria o mesmo gesto anos mais tarde com seu outro romance 1984, finalizado-o às pressas à beira da morte para que o mesmo service de alerta ao ocidente sobre o horrores do totalitarismo comunista.
É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os homens. Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo.